O direito ao luto pelo nosso animal

Neste final de ano muito se tem falado acerca do Projeto de Lei que foi entregue pelo PAN na Assembleia da República, no passado dia 7 de dezembro, que aborda o direito ao luto na perda de um animal de estimação.

O Projeto de Lei pretende inscrever no Código do Trabalho (CT) e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) que os trabalhadores têm direito a um dia de falta justificada por morte de animais de estimação.

O Projecto de Lei n.º 559/XIV/2.ª, garante o direito ao luto por falecimento de animal de companhia, onde no seu prefácio deixa a seguinte consideração: “segundo o estudo da GfK Track.2Pets, existiam em 2015, 6,3 milhões de animais de companhia nos lares portugueses, o que significa que mais de metade das famílias portuguesas têm um animal. Esta consultora, que entre 2011 e 2018 analisou a evolução dos comportamentos dos portugueses nesta área, defende que o aumento dos lares com animais de companhia se deve à alteração dos núcleos familiares e à noção, cada vez maior, de que estes contribuem para o bem-estar físico e psicológico dos detentores”.

No entanto, tal Projeto apenas pretende a alteração na b) do n.º 2 do artigo 249.º do CT, acrescentando “b) A motivada por falecimento de cônjuge, parente ou afim, bem como de animal de companhia do agregado familiar registado no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC), nos termos do artigo 251.º”

Acrescentando assim ao artigo 251.º, do mesmo diploma legal, uma alínea, sendo a mesma a c), onde conste que o trabalhador tem direito a até um dia de falta justificada por falecimento de animal de companhia do agregado familiar registado no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC).

Já em relação à LGTFP, o PAN apenas pretende que a alínea b) do n.º 2 do seu artigo 134.º, se altere de forma a ficar com a mesma disposição legal que o artigo 249.º do CT, anteriormente explanada.

Nestas alterações que mencionamos supra, fizemos questão de referir mais do que uma vez a expressão “apenas pretende”, isto porque, consideramos que sejam alterações bastante necessárias, com uma certa relevância, mas ainda mais porque não é assim tanto que se está a sugerir que se altere, pelo que mal nos parece que o mesmo Projeto de Lei não veja a sua aprovação.

É certo que já vimos alterações legislativas no nosso ordenamento jurídico no que toca aos animais, nomeadamente em questões da sua proteção, onde até já foi regulado o direito de propriedade, onde obriga o detentor a assegurar o bem-estar do animal e ainda criminaliza os maus-tratos contra animais, no entanto existe a necessidade de mais, é preciso mais.

Na atualidade, os animais de estimação entram nas famílias, não só para serem cuidados e protegidos, mas também para cuidarem, até porque, na maioria das famílias, são vistos como uma cura, isso tem de ser considerado? Não nos parece.

Os tratos de que eles são reféns são muitas vezes superiores aos cuidados que uma pessoa necessita, isto porque, eles não se sabem expressar e são seres tão sensíveis e desprotegidos aquando sozinhos. São pequenos seres vivos que precisam de toda e qualquer proteção e vigia, pelo que, cada vez mais se acha necessário que tenha de existir uma evolução do pensamento jurídico nesta matéria e aqui, concordando com o PAN mais uma vez, ser possível a criação de um estatuto jurídico próprio para os animais não humanos, mas muitas vezes, mais humanos até.

Até dentro desta questão, num Podcast público com o Presidente da Delegação Norte da Ordem dos Psicólogos, o mesmo comparou a dor que se sente no processo de luto quando perdemos uma pessoa com a dor de perder um animal e considera que “quanto maior é a ligação emocional ao animal, mais difícil (e demorado) será o processo”.

Ou seja, em momento algum faz uma distinção no tipo de luto entre a perda de uma pessoa e a perda de um animal, porque o facto é que estamos a falar de um nível de dor, sofrimento e superação, bem como não desvalorizou o sofrimento que alguém pode passar por perder um animal a quem atribui amor, com quem construiu uma conexão emocional.

Quando nos habituamos a cuidar e a viver com um animal, afeiçoamo-nos a eles e criamos rotinas, é como se fossem um membro de uma família, e em muitos seios familiares os animais são mesmo tratados como um membro da mesma, pelo que não se pode considerar que a dor seja menor quando perdemos um animal.

Ao pertencer a uma família, habitando no seu lar é totalmente normal que nos habituemos à presença de um animal e encontrar num animal um refúgio, muitas vezes para obter apenas um carinho e ao perdermos algo assim, é natural que haja sofrimento e que seja difícil lidar com tamanha ausência de algo tão inofensivo totalmente dependente de nós.

Neste sentido, consideramos que um trabalhador poder usufruir de uma falta justificada por falecimento de um animal de estimação tal como usufrui aquando do falecimento de ente familiar próximo, é mais do que justo e sem dúvida que deve existir esta alteração legislativa.

O sentimento de perda e sofrimento, não se pode apenas atribuir às pessoas, até porque, e não querendo ferir suscetibilidades, muitas vezes um animal é muito mais próximo dos seus cuidadores do que propriamente um parente.

Assim existindo esta alteração, quem não precisar de dar tal falta, é algo totalmente legítimo, mas também é mais do que legítimo quem precisa dela. Estamos a falar de apenas um dia que serve para uma despedida de um pequeno alguém que durante anos foi a nossa família.

Não se pode medir sentimentos, nem o afeiçoamento que atribuímos a algo ou alguém, mas podemos ser mais humanos e aprender a dar mais valor aos outros, às coisas, ao sofrimento, aos animais, ao mundo.

Por: Lúcia Batista
BQ Advogadas, S.P., R.L.