Um novo estudo, publicado na revista Science, mostra que quase nenhum dos comportamentos que associamos com raças caninas é pré-definido. Apesar de alguns traços antigos, o ambiente parece desempenhar um papel muito maior do que a ascendência.
Esta investigação cruzou dados de estudos genéticos de mais de 2.000 cães e concluiu que, em média, apenas 9% das diferenças de personalidade entre cães estão relacionadas com a sua raça.
Como tudo começou?
Quando Kathleen Morrill tinha 12 anos decidiu que precisava de um cachorro, mas não era um cachorro qualquer, era um Papillon. O Tod era registado no American Kennel Club (AKC), cujo site descreve a raça como “curiosa” e “amigável”, com uma “constituição resistente”.
Mas Tod era envergonhado, assustava-se com estranhos e desenvolveu ansiedade por separação. Um ano mais tarde, a família de Katheleen teve o seu segundo Papillon, Rosie, que era completamente diferente: corajosa, extrovertida e adorava todas as pessoas.
“A raça pode ser importante”, diz Kathleen, “mas não é a imagem completa do comportamento de um cão”.
Genética vs Ambiente
Este novo estudo, desenvolvido por Kathleen Morrill e os seus colegas, mostra que quase nenhum dos comportamentos que associamos com raças caninas é pré-definido. Apesar de alguns traços antigos, o ambiente parece desempenhar um papel muito maior do que a ascendência.
Kathleen Morrill queria entender melhor se comportamentos como a agressividade e o transtorno obsessivo-compulsivo nos cães eram de origem genética ou ambiental.
O projeto “Darwin’s Ark”
Trabalhos anteriores demonstraram alguma relação genética entre a raça e o seu comportamento, mas analisaram médias entre raças, não compararam cães individuais.
Através do projeto “Darwin’s Ark” foram recolhidos dados de milhares de cães nos Estados Unidos, desde 2015.
Os donos responderam a 117 questões – variando de quão amigáveis os seus cachorros eram com estranhos a se gostam de perseguir esquilos – e depois enviavam uma amostra de saliva para fazer a sequência genética.
O projeto Darwin’s Ark foi desenvolvido como um recurso de dados aberto para recolher fenótipos e dados genéticos relatados pelo proprietário e qualquer proprietário pode inscrever seu cão.
O que descobriram?
No maior estudo do género, foram recolhidos dados junto dos donos de 18.385 cães (49% de raça pura) e a equipa sequenciou o ADN de 2.155 cães.
A equipa constatou que quando falamos de traços físicos, como o tamanho do cão ou o formato das orelhas, pelo menos 80% da aparência do cão pode ser relacionada com o seu ADN.
Em relação ao comportamento, menos de um quarto das diferenças na personalidade de cão para cão, pode ser explicada pela genética. Alguns comportamentos, como cobrar objetos e ser sociável com humanos, são mais hereditários.
Mas a maioria dos comportamentos não tem uma forte componente genética, como brincar com outros cães ou se um cão faz círculos antes de defecar.
Em relação às raças caninas, a personalidade variou amplamente. Labradores podem ser amorosos ou distantes. Pastores Alemães podem ser fáceis de treinar ou impossíveis pela sua teimosia.
Em média, apenas 9% das diferenças de personalidade entre cães estão relacionadas com a sua raça.
Neste estudo, a equipa encontrou 11 novas regiões de ADN ligadas ao comportamento, incluindo uma para o uivar e outra para a sociabilidade; nos humanos, essas regiões estão relacionadas com a linguagem e a memória de longo prazo, respetivamente.
Outras opiniões
Personalidades à parte, a maioria das raças têm uma aparência distinta – provavelmente porque criar para a aparência é muito mais fácil do que criar para o comportamento, diz Adam Boyko, especialista em genética canina na Universidade de Cornell, que não esteve envolvido neste trabalho.
Após décadas a tratar, exibir e julgar várias raças, Jerry Klein, diretor veterinário do AKC, contesta as conclusões do estudo. “Acho que a maioria dos cães está de acordo com o padrão de personalidade da sua raça”, diz. Supostamente, raças mais antigas, refere, podem ter personalidades mais definidas porque existem há mais tempo.
Klein acrescenta que se os investigadores tivessem olhado além da raça, para o tipo de cães – como cães de caça de cobro ou de rastro – constatavam que o seu comportamento é mais semelhante entre si, do que com outros cães. “Não é tão simples como apenas as raças.”