As origens do Dogue Argentino

O Dogue Argentino é um cão de pelo curto, completamente branco, com uma musculatura poderosa, um verdadeiro atleta. Dotado de um caráter forte, possui uma grande aptidão para a guarda. É utilizado como cão de proteção do gado na Argentina e na caça, mas tem vindo a assumir-se também como cão de família.

É uma raça originária da província de Córdoba, na região central da Argentina. Tal como a raça Dobermann, que é fruto do trabalho de seleção iniciado por Friedrich Louis Dobermann, também o Dogue Argentino deve a sua existência à vontade de um homem, o Dr. Antonio Nores Martínez, médico cirurgião, professor da Universidade de Córdoba e Diretor de Traumatologia do Hospital Militar de Córdoba.

O “pai” da raça

Nascido no ano de 1907, em Córdoba, em 1925, ainda adolescente, Antonio Martínez deu os primeiros passos para selecionar um cão para caça grossa, mas também para a família.

Os caçadores não estavam satisfeitos com as raças existentes, que eram demasiado agressivas e tinham falta de paixão na caça, ou não eram suficientemente fortes para enfrentar um animal selvagem. Antonio decidiu assim usar cães existentes na Argentina com o objetivo de criar uma nova raça, à qual deu o nome de “Dogo Argentino”.

O seu criador pretendia um cão para a caça, que fosse capaz de enfrentar pumas, jaguares e pecaris (animal de tipo javali), e empreendeu um trabalho de seleção a partir do “Viejo Perro de Pelea Cordobés” (Velho Cão de Luta de Córdoba) um cão poderoso, forte e de grande tenacidade.

O objetivo era um cão de tamanho médio, para se movimentar facilmente nas regiões de montanha, de cor branca, para ser localizado na pampa argentina, rápido, com grande capacidade olfativa, de grande resistência quer ao esforço quer à dor, sem prognatismo, com cabeça pesada e de focinho longo.

Dr. Antonio Nores Martinez (1907-1956)

O Perro de Pelea Cordobés

No século XVI, os colonizadores espanhóis levaram para a Argentina Cães de Presa Maiorquinos (Perro de Presa Mallorquin), Mastins Espanhóis e os entretanto extintos Alanos.

No século XIX, os imigrantes trouxeram consigo exemplares das raças Bulldog Inglês, Bull Terrier e Boxer, para as lutas de cães que eram muito populares, envolvendo grandes quantias de dinheiro.

Cruzamentos intencionais com estas raças desenvolveram o Perro de Pelea Cordobés, um molossóide típico originário da cidade de Córdoba, considerado raça pura na Argentina.

Mas a proibição das lutas de cães no início do século XX ditou o fim deste que era o cão de luta mais popular na Argentina.

Perro de Pelea Cordobés

A readaptação

Antonio não queria que o Perro de Pelea Cordobés desaparecesse. Desde jovem que observava estes cães nos ringues e admirava a sua força. Além disso, nos seus planos de criação queria beneficiar do seu vigor e coragem a toda a prova, mas dispensando a agressividade inútil. Um dos seus objetivos foi, assim, salvar uma raça da extinção, enquanto criava uma nova raça nacional de trabalho.

O Perro de Pelea Cordobés era um cão valente e resistente para o combate, morriam a lutar, sem nunca desistir, mas careciam de olfato e velocidade. Além disso, a sua agressividade para os seus congéneres tornavam-nos inúteis para a caça, pois lutavam entre eles e era impossível caçar com dois ou mais, muito menos em matilha.

Mas esta raça tinha em si duas qualidades intrínsecas e essenciais: uma excelente herança ancestral (Mastim, Bull Terrier e Bulldog) e uma grande aptidão funcional, pois os combates a que foram submetidos de geração em geração fomentaram a sua valentia original.

Os primeiros passos

O programa de criação teve início em 1926 com 10 fêmeas de Perro de Pelea Cordobés. Antonio tinha um plano concreto daquilo que pretendia. Um cão de caça silencioso, com o faro apurado, que aguentasse longas saídas quaisquer que fossem as condições meteorológicas, e capazes de enfrentar corajosamente a presa perseguida. Queria ainda que fosse um protetor leal e incomparável da sua família. Além disso, a pelagem da nova raça tinha de ser branca, para que o caçador distinguisse o cão das presas.

Não era uma tarefa fácil, particularmente porque teve como base uma raça valente, mas muito agressiva.

Seguiu-se o cruzamento com outras raças, para aproveitar as qualidades de cada uma delas, sem se afastar do que pretendia: “um gladiador branco, com rusticidade, equilíbrio, olfato, agilidade e uma predisposição para o combate que o levaria se necessário a perder a sua própria vida”.

O primeiro passo foi melhorar o olfato, recorrendo ao Pointer. Esta raça também lhe deu o venteio, que permite ao Dogo Argentino chegar diretamente à presa seguindo os odores no vento.

O Dogue Alemão (Arlequim) deu-lhe um maior porte, e o Bull Terrier contribuiu com o branco da pelagem. Infelizmente, existiram alguns revezes, pois vários cães eram surdos, como herança do Bull Terrier.

Com os Dogue Alemão Arlequin usados no programa do Dogo Argentino.

Foram depois utilizados o Dogue de Bordéus e o Bulldog Inglês, para a força dos maxilares. O Boxer conferiu inteligência e bom temperamento.

Por fim, o Galgo Irlandês (Irish Wolfhound) e o Mastim dos Pirinéus contribuíram com um temperamento calmo, força, velocidade e estrutura física.

O Mastim dos Pirinéus deu-lhe tamanho, rusticidade e o manto branco, dando-lhe também força e adaptação a todos os climas, típico nesta raça de montanha. Contudo, esta raça também trouxe alguns problemas, como o pelo comprido e presunhos.

Não nos devemos esquecer que nos anos 20, o Pointer, o Dogue Alemão, o Bulldog Inglês e as outras raças usadas tinham uma aparência bastante diferente da atual.

Seleção morfológica e funcional

A seleção foi feita ao longo de vários anos, escolhendo sempre os exemplares que se adaptavam mais ao estalão de raça idealizado por Antonio, em 1928.

Ao mesmo tempo, os exemplares eram submetidos a uma prática funcional intensa e apropriada, caçando nos montes argentinos, tanto a norte, como no centro e sul do país. Ao caçar em matilha, foram perdendo o instinto de lutar entre si, inato no principal ancestral.

O Dogo Argentino desenvolveu ainda um instinto muito forte contra os grandes predadores da agricultura, especialmente o puma, o javali europeu, o pecari e, eventualmente, o jaguar. Isto levou a que o Dogo Argentino atual seja um caçador instintivo destas espécies, que busca, persegue e enfrenta com extraordinário entusiasmo e paixão.

O Dogue Argentino distingue-se das raças que estiveram na sua formação, tanto na cabeça, como no seu corpo, tamanho, pelagem e sobretudo pelos suas qualidades temperamentais e tenacidade em perseguir uma presa e lutar até ao fim.

A apresentação oficial

Em 1928, Antonio redigiu o primeiro estalão e fez alguns desenhos do seu Dogo Argentino ideal. Em 1947, esta descrição da raça foi publicada na revista Diana e, mais tarde, o seu irmão, Agustín, ampliou o estalão da raça.

Em 1947 a raça já estava criada e estabilizada genotipica e fenotipicamente, por isso o seu estalão foi apresentado no Clube de Caçadores da Cidade de Buenos Aires.

A apresentação oficial da raça decorreu de uma forma incomum. Antonio organizou um luta entre o seu cão, um javali e um puma, na província de San Luís. O cão foi o único sobrevivente e, no final, foi fotografado com o seu criador junto às presas.

Infelizmente, Antonio não assistiu à realização do seu sonho – o reconhecimento de uma raça argentina. A 2 de dezembro de 1956, Antonio foi assassinado enquanto participava numa caça a aves. Estava acompanhado por um amigo que também foi morto, mas não tinha nenhum Dogo com ele. As razões deste crime são desconhecidas.

Declínio e recuperação

Entretanto, a Argentina passava por um período conturbado. mesmo após o exílio de Juan Perón em 1955. Agustín estava na prisão como prisioneiro político e não pode sequer assistir ao funeral do seu irmão, quanto mais tomar conta do canil e dos cães. Os proprietários de Dogos Argentinos desfizeram-se dos seus cães, para não serem associados a um prisioneiro político

Solitario & Cauquen del Chubut

Após a sua libertação, Agustín teve de recomeçar todo o trabalho. Foi neste período que muitos Dogos foram criados sob o afixo “del Chubut”.

Não se sabe exatamente como Agustín recuperou a raça, mas sabe-se que não repetiu o trabalho do Antonio. É quase certo que procurou identificar tantos Dogo Aregentinos puros quanto possível, para recomeçar a criar.

Agustin Nores Martinez em Esquel, Chubut (1962)

Agustín levou o canil de Córdoba, no centro da Argentina, para Esquel, uma pequena cidade na Patagónia. Depois da sua carreira como advogado, tornou-se embaixador no Canadá. Esta posição deu-lhe a oportunidade de viajar pelo mundo, promovendo a raça e oferecendo exemplares a criadores e caçadores.

O reconhecimento oficial

A 21 de maio de 1964, a raça é reconhecida pela Federação Cinológica Argentina e pela Sociedad Rural Argentina, que criam o seu Stud Book, iniciando os registos.

O Dogo Argentino foi reconhecido pela Federação Cinológica Internacional (FCI) a 31 de julho de 1973, que o descreve como “um caçador inteligente, silencioso, corajoso e destemido”. É a única raça argentina reconhecida, graças à paixão, trabalho e esforço de Agustín Nores Martínez, que continuou a obra do seu irmão, o criador da raça.

Agustín morreu em 1978, mas durante a sua vida escreveu vários livros sobre a raça e intitulou-se orgulhosamente “Hermano del Creador de la Raza” (irmão do criador da raça).

Crê-se que, nessa altura, cerca de 1.100 exemplares da raça Dogo Argentino tinham já sido registados no Stud Book argentino.

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