Regime de Proteção dos Animais Utilizados Para Fins Científicos

Passou-se um ano após o Decreto-Lei Nº 1/2019, de 10 de Janeiro, que aborda o Regime de Proteção dos Animais Utilizados Para Fins Científicos.

Os animais apresentam para o ser humano uma panóplia de finalidades como, por exemplo, produzir alimentos, conceder-nos companhia ou servir como cobaias para fins científicos.

Ora, qualquer uma das finalidades acima apresentadas são reguladas em legislações próprias, prevendo estes diplomas legais a forma como os animais são tratados, quais a entidades com poderes para fiscalizar os locais ou os próprios detentores de animais, entre outros pontos.

No presente artigo, vamos centrar-nos apenas no tema da utilização de animais para fins científicos, os conhecidos “ratos de laboratório” (sim, aqueles de pelo branco e olhos vermelhos, mas falamos aqui de todo o tipo de animais utilizados na ciência), nomeadamente, qual a legislação e os principais objetivos em volta do diploma legal que o regula.

A Diretiva nº 2010/63/UE foi o primeiro diploma legal a regular a morte, a proteção e o controlo da dor nos animais utilizados para fins científicos, tendo a Diretiva da União Europeia sido transcrita para o ordenamento jurídico português no ano de 2013, através do Decreto-Lei nº 113/2013, de 7 de Agosto.

Porém, a transcrição referida anteriormente não correu da melhor forma ao legislador português, tendo as instâncias europeias considerado que Portugal, juntamente com outros estados membros, que a mesma não fora realizada corretamente e de forma integral.

Ora, tais imprecisões originou a necessidade de se proceder à alteração do DL nº 113/2013, o que ocorreu em 2019, através do Decreto-Lei nº 1/2019, de 10 de Janeiro, sendo a lei melhorada e criadas novas regras para a proteção dos animais utilizados em laboratório.

Como podemos ver, não só em torno dos animais utilizados para fins científicos, mas em volta de todo o “tipo” de animais que existem, têm sido criadas cada vez mais regras e normas que protegem os mesmos, sendo este um tema cada vez mais debatido pela sociedade, o que demonstra uma preocupação cada vez maior pelo mesmo.

O próprio DL nº 1/2019 (tendo sempre como base a Diretiva nº 2010/63/UE) incorpora, como forma de proteção dos animais, os Princípios de substituição de animais por métodos alternativos à experiência que vai ser realizada, da redução do número de animais utilizados e de refinamento de técnicas e procedimentos para reduzir o impacto negativo causado nos animais, conhecidos como a “Política dos 3Rs” (Replacement, Reduction e Refinement), sendo considerada uma obrigação legal.

Somada a esta proteção, os Princípios acima referidos têm ainda em vista proporcionar aos animais utilizados em procedimentos científicos um melhor bem-estar, afastando dos mesmos o stress, a angústia e a dor inerentes a uma experiência científica.

Mas como e de que modo é que este bem-estar é conferido aos animais utilizados para fins científicos?

O art. 34.º do DL nº 113/2013, com as alterações introduzidas pelo DL nº 1/2019, prevê que os criadores, fornecedores e utilizadores de animais utilizados para fins científicos estão obrigados a instruir, nos seus estabelecimentos, um órgão responsável pelo bem-estar.

Quanto às funções que este órgão exerce, o art. 35.º do DL dispõe quais as que, pelo menos, devem ser exercidas, nas quais podemos destacar, o aconselhamento do pessoal que se ocupa dos animais em questões relacionadas com o bem-estar dos animais, relativamente à sua aquisição, alojamento, prestação de cuidados e utilização e o acompanhamento da evolução e os resultados dos projetos, tendo em conta os efeitos sobre os animais utilizados, assim como identificar e prestar aconselhamento sobre elementos que contribuam para aplicar a substituição, a redução e o refinamento.

Podemos ainda referir que os pareceres emitidos pelo órgão responsável pelo bem-estar do animais e das decisões tomadas relativamente a este âmbito, devem ser mantidos pelos criadores, fornecedores e utilizadores, pelo menos, durante 3 anos.

Ainda dentro do bem-estar dos animais, foi criada a Comissão Nacional para a Proteção dos Animais Utilizados para Fins Científicos, que tem como principal objetivo auxiliar e aconselhar os órgãos responsáveis pelo bem-estar animal, assim como a Direção Geral de Alimentação e Veterinária, cabendo-lhe, por exemplo, proceder ao intercâmbio de informações sobre o funcionamento dos órgãos responsáveis pelo bem-estar dos animais, conforme o disposto no art. 55.º do DL.

E quanto ao controlo e implementação das normas previstas no DL, a quem compete?

A Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), criado pelo Decreto-Lei nº 7/2012, é a autoridade competente no que ao controlo e implementação do DL, de acordo com o art. 58.º, tendo ainda competências a nível da saúde e proteção animal, regulamentação e coordenação do controlo alimentar e sanidade vegetal e fitossanidade.

A própria alínea a) do art. 3.º do DL, com a epígrafe “Definições”, vem também confirmar a DGAV como “Autoridade Competente”, enquanto autoridade sanitária veterinária.

No dever de fiscalização do cumprimento das disposições do presente DL, deve a DGAV, a quando da violação ou do incumprimento do ali regulado (considerado contraordenações), consoante o previsto no art. 56.º do DL por parte dos criadores, fornecedores e utilizadores, aplicar coimas, cujo valor varia consoante se trate de uma pessoa singular, cujo montante pode ir de 500,00 € a 3.740,00 €, ou de uma pessoa coletiva, cujo montante pode ir de 1.000,00 € a 44.890,00 €.

Para além das coimas anteriormente referidas, poderão ainda ser aplicadas sanções acessórias, previstas no art. 57.º do DL como, por exemplo, a perda de objetos pertencentes ao agente, incluindo animais ou interdição do exercício da criação, do fornecimento ou da utilização de animais.

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 1/2019, o grande destaque foi o aditamento do art. 41.º-A, com a epígrafe “Inspeções”, no qual foram criadas regras sobre inspeções aos criadores, fornecedores e utilizadores, que serão realizadas pela DGAV, em cooperação com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. para verificar o cumprimento dos requisitos previstos no presente decreto-lei, em função de uma análise de risco relativa a cada estabelecimento.

Como podemos ver, o Decreto-Lei nº 113/2013, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 1/2019, no cumprimento das imposições decorrentes da Diretiva nº 2010/63/UE, prevê as mais variadas formas para a existência de uma verdadeira proteção e seja concedido um bem-estar aos animais utilizados para fins científicos, porém, podemos colocar aqui uma questão: ao fim de 1 ano após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 1/2019, estarão as suas disposições a ser verdadeiramente seguidas pelas entidades competentes?

Não podemos dar uma resposta 100% positiva a esta questão, uma vez que, passado 1 ano, as notícias em torno deste tema são poucas ou nenhumas, o que pode significar duas situações: ou, pelo lado positivo, estão as disposições e obrigações a ser verdadeiramente cumpridas pelos sujeitos e entidades responsáveis ou, numa vertente mais negativa, as autoridades competentes estão a “fechar os olhos” aos incumprimentos levados a cabo pelos criadores, fornecedores e utilizadores.

Sempre na esperança que a situação que esteja a ser vivida seja a primeira, não podemos nunca esquecer que o principal objetivo é sempre proteger e proporcionar bem-estar aos animais utilizados para fins científicos, fins que nunca podem sobrepor-se à dignidade inerente a todos os seres vivos.

Por: Rafael Machado
BQ Advogadas, S.P., R.L.