As origens do Antigo Cão de Pastor Inglês

Embora alguns pretendam ver um Bobtail num quadro de Gainsborough datado de 1771 retratando o Duque de Buccleuch e seja denominado Old English Sheepdog (OES), ou seja, Antigo Cão de Pastor Inglês, o Bobtail não é uma raça muito antiga.

Quadro retratando o Duque de Buccleuch com um cão que alguns pretendem ser uma versão antiga de OES.

O seu aparecimento como raça, tal como muitas outras raças britânicas, deu-se na segunda metade do séc. XIX, a partir de cães utilizados como condutores de rebanhos até aos mercados de gado existentes no sudoeste da Inglaterra, nomeadamente, na zona de Smithfield (curiosamente existe na Austrália/Nova Zelândia uma raça de cães pastores chamada de “Smithfield sheepdog” que estará talvez mais perto do aspecto que esses cães teriam na altura).

Foi uma das primeiras raças a aparecer em Exposições, tendo havido uma classe para a raça na Exposição de Birmingham em 1873. A raça foi reconhecida oficialmente em Inglaterra em 1888, data também da publicação do primeiro estalão.

Embora no início do desenvolvimento da raça existissem muitos cães naturalmente anuros ou com caudas curtas, o seu aspecto, que lhe valeu o nome pelo qual é mais conhecido (Bobtail = cauda curta/cortada) era obtido por amputação.

A explicação mais corrente para esta prática é a de que os cães de luxo estariam obrigados ao pagamento de uma taxa pelo que os pastores, para identificar os seus animais como cães de trabalho, lhes cortariam a cauda, ficando assim isentos. Esta lei foi abolida em 1796, mas a prática entretanto tornada hábito ter-se-á mantido.

Pastor com os seus cães.
Açougueiros e seus cães (séc XIX).

Outra explicação é avançada por um dos “pais” da raça, Henry Arthur Tilley: durante o percurso entre as pastagens e os mercados, onde o gado era transaccionado, o cão poderia distrair-se e perseguir coelhos e outra caça que pudesse aparecer ao longo das estradas.

Ora, um cão sem cauda torna-se menos ágil, sobretudo porque ela lhe serve de “leme” ou “balanceiro” quando é necessário mudar de direcção em corrida. Ao fim de pouco tempo e de algumas perseguições infrutíferas, o Bobtail compreenderia que não lhe serviria de nada perseguir a caça e concentrar-se-ia no seu trabalho.

Curioso é que, noutros países, outras raças também destinadas originalmente à condução do gado até aos mercados (Rotweiller, Bouvier da Flandres e Schnauzer) sofriam de igual modo amputação da cauda.

Não tendo sido sujeita a selecção activa, esta característica parece ter desaparecido do “pool” genético da raça, pelo que hoje em dia o nascimento de cachorros anuros não é mais frequente que noutras raças.

Com a progressiva interdição das operações efetuadas por motivos estéticos nos diferentes países europeus, incluindo no seu país de origem, o Reino Unido, a raça é assim, e cada vez mais, Old English Sheepdog e menos Bobtail, embora por tradição e por facilidade muitos aficionados continuem a utilizar esta denominação.

Exemplar atual nascido com cauda curta.

O início da canicultura organizada foi dominado pelos grandes canis pertencentes a famílias abastadas. Nos Estados Unidos, a raça adquiriu notoriedade no início do séc. XX, com cinco das famílias mais ricas e proeminentes da altura (Morgan, Vanderbilt, Gould, Harrison e Guggenheim) a possuírem, criarem e exporem OES.

Conta-se mesmo que durante a Exposição de Westminster de 1904 o juiz terá sido discretamente avisado para não se apressar e levar o tempo que fosse preciso para decidir o vencedor já que os cães presentes no ringue pertenciam aos mais ilustres membros da sociedade americana da altura.

"CH Sir James" (séc. XIX)
"CH Sir Cavendish" (1890)
"CH Dame Barbara" (1898)

A raça desenvolveu-se e consolidou-se na primeira metade do séc. XX nos dois lados do Atlântico. A II Grande Guerra Mundial constituiu um rude golpe para toda a canicultura britânica. Muitos canis desapareceram, muitos cães foram enviados para os Estados Unidos. No entanto, alguns canis situados nas zonas rurais conseguiram sobreviver às restrições impostas por estes tempos difíceis e, após o cessar fogo, os efectivos começaram a recuperar.

Por volta dos anos 1960/70, fruto da sua participação em vários filmes e a sua adopção como mascote por parte de uma conhecida marca de tintas inglesa (ainda hoje a raça é conhecida em Inglaterra como “Dulux dog”) ocorreu um surto de popularidade.

Os anos 70/80 são considerados quase unanimemente como os “anos dourados” da raça no Reino Unido, dada a quantidade e qualidade dos cães dessa altura.

São desta época exemplares que estão no “Wall of Fame” da raça, como sejam a “CH Barnolby Wendy Bruin” (considerada por muitos juízes/criadores como um dos melhores OES de sempre), o “CH Aberfells Georgey Porgey” (3º Melhor Cão de todas as raças em 1973), o “CH Jedforest Don Carlos” (durante muito tempo o recordista no Reino Unido, com 40 CC ganhos) e a famosa “CH Zottel’s Miss Marple of Lameda” (51 CC ganhos, mãe de 25 Campeões), que está presente em praticamente todos os pedigrees dos OES europeus atuais.

“CH Barnolby Wendy Bruin”
“CH Jedforest Don Carlos”
“CH Zottel’s Miss Marple of Lameda”

O pico dos nascimentos ocorreu em toda a Europa no início dos anos 90. Quantidade e qualidade nunca andam a par e a criação gananciosa e indiscriminada trouxe consigo os problemas habituais ao nível da saúde e temperamento que levaram ao igualmente rápido declínio da procura.

Atualmente, os efectivos encontram-se em estagnação/decréscimo em todo o mundo. Há um par de anos soou mesmo um sinal de alerta, quando o Kennel Club inglês colocou o OES na lista das raças “em observação” por o número de registos ter baixado dos 300 cachorros anuais e, embora a criação tenha entretanto aumentado ligeiramente, a raça mantém-se longe dos tops de popularidade.

Em Portugal a situação não é diferente, com apenas cerca de uma centena de cães registados pelo Clube Português de Canicultura no LOP nos últimos 10 anos.

Embora a raça merecesse seguramente um maior interesse por parte dos amantes de cães, pois à sua beleza e originalidade do seu “look” alia uma grande inteligência, fidelidade e vontade de agradar ao seu dono, e um temperamento alegre e brincalhão, que se mantém até uma idade avançada.

O pelo, sendo um dos seus grandes encantos, é também a sua desgraça, não só porque afasta logo à partida muitas pessoas que não querem ou não se sentem capazes de lidar com tanto pelo, mas que teriam qualidades para serem bons donos, como atrai muitas pessoas que estão mais à espera de ter um peluche com botão on/off ou um bichon de tamanho XL para encher de laços e outros adereços de gosto duvidoso.

Curiosamente, tem-se assistido nos últimos anos, e um pouco por todo o lado, a um aumento do interesse na raça por parte de pessoas que logo à partida tencionam manter os cães tosquiados (a maioria dos donos, apesar de ter escolhido a raça pelo aspeto que os cães bem tratados e penteados exibem nas fotos presentes em websites e artigos de divulgação e das boas intenções aquando da aquisição, acaba por os tosquiar mais cedo ou mais tarde por desleixo e/ou preguiça, sendo por isso uma raridade cruzarmo-nos com um OES com pelo comprido). Apesar desta prática desvirtuar um pouco a essência da raça, pode ter a vantagem de vir a granjear mais adeptos para a raça e, assim, contribuir para a sua preservação.

Texto e fotografias: Isabel Alves, do afixo “SeaLords”

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